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Portugueses na Diáspora

Cidadãs e Cidadãos portugueses emigrantes, migrantes, destacados, expatriados. Não somos cidadões, mas cidadãos de pleno direito e exigimos não-discriminação legislativa-regulamentar-administrativa

Sem votos não há impostos

16.09.15

 

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(do blogue Na rua da grande cidade, por Hugo Reis) 

 

 A matrícula da limusina do presidente dos EUA tem o número 800 002 e diz “No taxation without representation”. Esta não é uma frase qualquer – está ligada ao nascimento dos próprios Estados Unidos. Em 1765, esta colónia debaixo da autoridade da Coroa inglesa não podia eleger qualquer deputado do Parlamento de Westminster. Assim, os colonos americanos assistiam impotentes aos novos impostos que Londres lhes impunha. Num discurso que ficou célebre, James Otis gritou “Impostos sem representação significam tirania!”.

 

A tensão foi-se acumulando até desembocar no famoso Boston Tea Party, considerado o ponto de não retorno para os Estados Unidos como país independente. Londres aplicava altas taxas a todo o chá desembarcado em portos americanos. Algumas centenas de rebeldes tentaram afastar três navios ingleses carregados mas, ao não serem ouvidos pelo governador, acabaram por se disfarçar de índios e atirar para a baía todos os 342 caixotes de chá – o suficiente para fazer mais de 18 milhões de chávenas.

 

O resto é História: os EUA fundaram-se – e acabaram por conquistar o mundo – partindo da convicção profunda de que o contrato social implícito numa democracia representativa é que os indivíduos têm responsabilidades (como a de obedecer às leis), deveres (como o de pagar os seus impostos) e direitos (como o de poder influenciar o rumo da sociedade e da sua contribuição para a mesma, escolhendo os seus representantes e líderes políticos). Sem cumprir esse contrato de base, uma sociedade pode pavonear-se como livre, democrática e evoluída, mas não o é mais que a Roma antiga, onde apenas uma elite de homens com terra e escravos era considerada “cidadã”, ou que o Qatar, uma monarquia fechada e elitista.

 

O Luxemburgo não está a cumprir o seu contrato social. Os números são assustadores: nas últimas eleições houve 203 mil votos válidos, mas a população do Grão-Ducado está agora estimada em 550 mil almas. Trinta e sete por cento dos habitantes, um pouco mais de um terço, decidem por todos o que fazer com os seus direitos e o seu dinheiro… Não há registo de outro local assim no Ocidente, e ainda bem que o voto é obrigatório, ou esta percentagem seria ainda (muito) mais baixa.

 

O tremendo resultado do “não” no referendo de domingo pinta um retrato algo assustador – até pelo seu realismo – do pequeno país. Mas tal era esperado: não se pode pedir às massas que exerçam o altruísmo. A natureza humana é egoísta, e um privilégio como ter direitos cívicos é mais valioso se for exclusivo e raro – nesse sentido votaram os luxemburgueses, incluindo alguns “cristãos-novos” portugueses que abandonaram a sua nacionalidade julgando assim poder passar da cozinha à mesa, por assim dizer, e que agora alegam que há poucos lugares à mesa, e portanto o melhor é que os seus familiares continuem na cozinha.

 

Pouco importa. Vontades iníquas podem pouco contra o curso inexorável da História. Em 1983, a África do Sul também organizou um referendo onde só os brancos podiam votar; 66% aprovaram a criação de um subparlamento para mulatos e indianos, e disseram “não” ao direito de voto para os negros (a maioria). Apenas sete anos depois, Mandela saiu da prisão e o apartheid voou em estilhaços.

 

Hugo Reis

cidadão nacional residente no estrangeiro